Será que o novo normal após a pandemia incorporará definitivamente a telemedicina às práticas de cuidados de saúde?

A telemedicina foi inaugurada em 1879 pela revista britânica “Lancet”, ao relatar o diagnóstico de uma criança feito por um médico pelo telefone, que acabava de ser inventado. Foi explorada pela NASA no século 20 para avaliar a saúde dos astronautas no espaço, mas ficou adormecida na Terra esperando o desenvolvimento dos meios de comunicação entre pessoas, que explodiram no século 21. Na pandemia da Covid-19, em vários países o isolamento social tem estimulado o atendimento remoto de pacientes.

Quando estudei medicina, a disciplina mais empolgante era a semiologia, que nos ensinava os protocolos de contato pessoal com os pacientes. Era preciso fazer uma correta anamnese, isto é, extrair do paciente os seus dados pessoais relevantes e o relato de seus sintomas e percepções. A seguir vinha o exame físico, mediante a observação direta, palpação, percussão e ausculta para descobrir o máximo sobre as funções e disfunções dos doentes.

Nos relatos já publicados sobre telemedicina, a anamnese remota apresenta vantagens: o paciente responde pelo celular sobre seus males, preenchendo questionários elaborados para esse fim. O procedimento é eficiente porque os questionários são sistemáticos, o que pode não ocorrer na anamnese pessoal.

O exame físico remoto talvez não seja tão eficaz, embora as propostas incluam a avaliação de parâmetros físicos com oxímetros, medidores de pressão arterial, e câmeras de celular para a documentação de lesões corporais. Recursos de inteligência artificial permitem o reconhecimento de emoções como sofrimento e dor, pela expressão facial dos pacientes.

Já existem plataformas de telemedicina desenvolvidas por grandes empresas, como Zoom e BlueJeans, acessíveis e criptografadas.

Os relatos publicados apresentam bons resultados no acompanhamento pós-operatório dos pacientes cirúrgicos, no diagnóstico, terapia e acompanhamento de pacientes psiquiátricos, e em certos tratamentos de ortopedia e fisiatria. Os pacientes submetidos ao isolamento em virtude da pandemia aprovaram a prática, que lhes poupa deslocamentos urbanos (e as respectivas despesas), minimiza contatos interpessoais contaminantes, facilita a triagem de pacientes graves e descongestiona a demanda presencial nos ambulatórios e consultórios.

Nem tudo é perfeito, claro. O acesso às ferramentas de interação remota é fortemente impactado pelas desigualdades sociais, e pela desigual habilidade no uso de aplicativos por pacientes psiquiátricos, idosos e deficientes. Além disso, não se sabe se a empatia tão necessária entre o profissional de saúde e o paciente possa ser mantida sem proximidade física.

E há outros aspectos em aberto: custos de implementação, confidencialidade dos dados dos pacientes, privacidade no contato, regulação legal. A tecnologia, no entanto, não é mais um fator limitante.

*Neurocientista, professor emérito da UFRJ e pesquisador do Instituto D’Or

Fonte: O Globo – 28/05/2020
Por Roberto Lent*

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